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Advogado formado em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Nasceu em Orleans/SC, mas mudou-se para Palhoça/SC, aos 04 anos de idade.

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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A ARTE DE “MAQUIAR”

Muitos são os dissabores enfrentados por qualquer profissional no dia-a-dia, durante a labuta, porém, penso que para algumas categorias, os entraves imposto ao exercício de suas atividades repercutem diretamente na base da sociedade.
É o caso da advocacia, função indispensável à administração da Justiça (art. 133 da CF/88), que freqüentemente se depara com situações que retardam o andamento do processo e atravancam o Poder Judiciário.
Entre outras situações, como advogado, familiarizado com situações esdrúxulas que ferem de morte o direito constitucional a celeridade processual (art. 5º, inciso VXXVIII), destaco a constante utilização de manobras por parte, principalmente de Juízes, que para desafogar suas varas e secções judiciárias, em detrimento aos direitos individuais, retardam o processo e a prestação jurisdicional.
Cito caso que chamou a atenção na Seção Judiciária Federal de Florianópolis, quando protocolei ação contendo litisconsortes ativos necessários, valorando a causa em R$ 100.000,00.
O valor da demanda é incompatível com o procedimento do Juizado Especial Federal, porém, o Juiz titular daquela vara federal alegou o seguinte:

Decisão
Revejo o despacho de recebimento da petição inicial.
A presente ação diz respeito à reparação de danos ocorridos em 12 (doze) diferentes imóveis adquiridos por intermédio do Programa de Arrendamento Residencial - PAR. Segundo a narrativa da exordial, os imóveis apresentam vícios de construção de caráter progressivo, que causaram a deterioração dos imóveis e risco de ruína.
Aduzem os autores ser de responsabilidade da Caixa Econômica Federal - CEF a reparação dos danos causados por tais vícios, uma vez que utilizou materiais de baixa qualidade e desrespeitou as normas da construção civil.
Atribuíram à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
A parte ré apresentou contestação no evento 6, alegando, além das questões de mérito, a conexão, a inépcia da inicial - pela falta de indicação dos danos causados e pela indeterminação dos pedidos -, a prescrição/decadência e a sua ilegitimidade passiva.
Réplica apresentada no evento 9.
No evento 11, determinei a realização de perícia por engenheiro civil a fim de verificar os defeitos alegados nas construções.
A CEF interpôs embargos de declaração no evento 16 por entender ter ocorrido omissão por parte do juízo em relação à alegação de inépcia da inicial.
Prossigo para decidir.
Conforme o art. 113 do Código de Processo Civil, a incompetência absoluta deve ser declarada de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição. Sobre a competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis, assim dispõe a Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001:
Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
§ 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:
(...)
III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;
(...)
§3º No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.
Acerca da competência absoluta no foro onde estiver instalada a Vara do Juizado Especial, discorre J. E. Carreira Alvim (in Juizados Especiais Federais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 22):
Nos termos do §3º do artigo 3º da Lei nº 10.259/01, no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta, o que significa que não tem o autor, como nos juizados especiais estaduais, o direito de optar pela vara federal comum.
(...)
Acresce ponderar, também, que se trata no caso de uma competência absoluta do tipo 'localizada', pois somente se tiver Vara do Juizado Especial instalada no foro da demanda, essa competência é absoluta (art. 3º, §3º, Lei nº 10.259/01); onde não tiver, a competência é da Vara Federal, constituindo apenas uma faculdade do autor a propositura 'no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995'.
No presente caso, embora o valor atribuído à demanda seja de R$ 100.000,00 (cem mil reais), deve-se levar em conta, para fins de fixação de competência, o conteúdo econômico pretendido por cada um dos autores, e não a soma dos pedidos.
Conforme afirmam os autores, o valor da causa foi fixado levando em consideração o valor estimado das reformas dos seus imóveis. Assim, distribuído o valor entre os 12 (doze) imóveis, chegar-se-ia a um valor médio de R$ 8.333,34 (oito mil trezentos e trinta e três reais e trinta e quatro centavos).
No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem decidindo que o valor da causa deve ser individualizado. A esse respeito, os seguintes julgados:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. VALOR DA CAUSA. COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. LITISCONSÓRCIO. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE. EVENTUAL INCOMPATIBILIDADE DE SISTEMAS. IRRELEVÂNCIA.
1. A competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, conforme preceitua o § 3º do artigo 3º da Lei nº 10.259/2001.
2. A existência de litisconsórcio ativo não altera a regra de competência, devendo o pedido de cada um dos autores ser considerado individualmente.
3. A implantação de sistemas de processos eletrônicos com versões distintas e eventualmente incompatíveis no âmbito dos Juizados Especiais Federais (e-proc V1) e nas Varas Federais (e-proc V2) não implica impossibilidade invencível de remessa dos autos ao Juízo competente, mesmo porque a parte não pode ser prejudicada em nenhum momento em face desses avanços tecnológicos.
4. Reconhecida a incompetência do magistrado para prolatar sentença de extinção do feito sem julgamento do mérito, deve-se anulá-la com determinação de remessa dos autos ao Juízo competente, para o devido processamento e julgamento.
5. Agravo parcialmente provido.
(AI 5008513-68.2010.404.0000/RS, Rel. Artur César de Souza, 2ª Turma, unân., julg. em 10.5.2011, publ. em 13.5.2011). (grifei)
PROCESSUAL CIVIL. VALOR DA CAUSA. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. COMPETÊNCIA. JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR INCOMPATIBILIDADE DOS SISTEMAS ELETRÔNICOS. DESCABIMENTO. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE.
1. O valor da causa, para efeito de fixação da competência do Juizado Especial, deve ser considerado em relação ao valor perseguido por cada um dos autores isoladamente, sendo irrelevante que a soma de todos ultrapasse o valor de sessenta salários mínimos.
2. A implantação de sistemas de processos eletrônicos com versões distintas e eventualmente incompatíveis não implica impossibilidade absoluta da remessa dos autos ao juízo competente.
3. A parte não pode ser prejudicada em face das dificuldades técnicas decorrentes da informatização dos processos judiciais.
4. Não pode o magistrado, após considerar-se incompetente, exarar provimento que não lhe incumbe, devendo determinar a remessa dos autos ao juízo competente, nos termos do art. 113, § 2º, do CPC, o qual se pronunciará sobre eventual inadequação de procedimento.
(AC 5000688-92.2010.404.7204/SC, Rel. Marga Inge Barth Tessler, 4ª Turma, unân., julg. em 6.4.2011, publ. em 8.4.2011). (grifei).
Demais, não trata o pedido de anulação de ato administrativo, já que o que buscam os autores é a reparação de danos advindos de vícios de construção em imóveis adquiridos por intermédio do Programa de Arrendamento Residencial - PAR.
Por outro lado, a alegação da necessidade de prova pericial não afastaria a competência do Juizado Especial Federal, conforme vêm decidindo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. IMPROCEDÊNCIA.
O simples fato de ser necessária prova pericial não induz à complexidade da causa, tampouco há restrição legal quanto à essa espécie de prova no âmbito dos Juizados Especiais. A existência de litisconsórcio entre a União e outro Ente Federado não afasta a competência do Juizado Especial Cível. competência do Juizado Especial Federal para a apreciação da presente causa.
(TRF4, Conflito de competência 37979, SC 2009.04.00.037979-0, Relator: Hermes Siedler da Conceição Júnior, Órgão Julgador: 2ª Seção, Julgamento: 11/03/2010)
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL COMUM E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. CAUSAS CÍVEIS DE MENOR COMPLEXIDADE. POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELO VALOR DA CAUSA. CONHECIMENTO DO CONFLITO, NO CASO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL.
(..)
3. Quanto à possibilidade de realização de prova pericial no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a Segunda Seção desta Corte, ao julgar o CC 83.130/ES , proclamou que 'a Lei 10.259/2001 não exclui de sua competência as disputas que envolvam (Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 4.10.2007, p. 165) exame pericial. Em se tratando de cobrança inferior a 60 salários mínimos deve-se reconhecer a competência absoluta dos Juizados Federais'. No mesmo sentido, a Primeira Seção, ao apreciar o CC 92.612/SC , fez consignar na ementa do respectivo acórdão: 'Diferentemente do (Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 12.5.2008) que ocorre no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, admite-se, em sede de Juizado Especial Federal, a produção de prova pericial, fato que demonstra a viabilidade de que questões de maior complexidade sejam discutidas nos feitos de que trata a Lei 10.259/01.'
4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal do Juizado Especial.
(STJ, Conflito de competência 96254 RJ 2008/0117646-8, Relatora: Denise Arruda, Órgão Julgador: Primeira Seção, Julgamento: 10/09/2008).
Ainda que o valor da causa de forma globalizada ultrapassasse os 60 (sessenta) salários mínimos, seria de bom tom fracionar a ação em número igual ao de imóveis que apresentam vício de construção. Isso porque o valor da eventual indenização a que cada autor fará jus deverá ser apurado mediante a verificação dos vícios ocorridos em cada um dos imóveis de maneira individualizada.
Em face do que foi dito, reconheço a incompetência deste Juízo para o processo e julgamento desta ação.
Intime-se o perito nomeado da presente decisão.
Remetam-se os autos ao Juizado Especial Federal Cível de Florianópolis, com a devida baixa no sistema.

Inobstante o inconformismo com a referida decisão, primando pela celeridade processual, não ofertou-se recurso, sendo os autos encaminhados ao Juizado Especial Federal, onde foi recebido e prolatada a seguinte sentença:

SENTENÇA
I - Relatório. Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei n. 9.099/95 c/c art. 1º da Lei n. 10.259/01, passo ao julgamento do feito.
II- Fundamentos. Trata-se de ação de reparação de danos em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF. As partes autoras ajuizaram a presente ação em litisconsórcio ativo facultativo, conforme petição inicial.
Contudo, não se pode permitir o prosseguimento da ação. Muito embora o litisconsórcio ativo facultativo seja um eficaz instrumento de economia processual, em contrapartida, não raro, os seus efeitos colaterais tornam-no um sério estorvo ao rápido deslinde da causa, porquanto a ação, em razão das peculiaridades inerentes a cada co-autor, pode reclamar um procedimento diferenciado para cada um dos requerentes; por exemplo, a ocorrência de qualquer causa de suspensão do processo (art. 265 do CPC) quanto a somente um deles, prejudicaria inevitavelmente a todos. Ademais, o direito de defesa, constitucionalmente garantido, tende a ser dificultado à medida que aumenta o número de integrantes na lide. Justamente por essas razões é que o Código de Processo Civil, no parágrafo único do art. 46, faculta ao juiz 'limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa'.
Tudo isso ganha ainda maior relevância nos juizados especiais, cuja essência é a própria celeridade processual, já que o litisconsórcio redundará em maior dificuldade na obtenção de acordos e na liquidação dos débitos, conforme acertado alerta do magistrado federal Antônio Fernando Schenkel do Amaral e Silva (Juizados Especiais Federais - aspectos cíveis e criminais, Blumenau: Acadêmica, 2002, p. 35).
Além disso, convêm lembrar também que o sistema e-proc, no qual é processada a integralidade dos processos deste juizado especial, conquanto represente um inestimável salto tecnológico no âmbito do Judiciário, impõe aos usuários, ao menos por ora, alguns limites a mais, dentre os quais a impossibilidade de desmembramento das ações, o que, no caso dessa necessidade, conturbaria o processo, causando possíveis confusões tanto para as partes quanto para este juízo.
Ante o exposto:
1. Considero incompatível com o rito do Juizado Especial Federal o litisconsórcio ativo facultativo, razão pela qual, com fulcro no art. 1º da Lei nº 10.259/01 c/c 51, II, da Lei nº 9.099/95, extingo o presente processo sem julgamento do mérito, o que não obstará que os autores intentem, individualmente, novas ações.
2. Demanda isenta de custas e honorários advocatícios em primeiro grau de jurisdição (arts. 54 e 55 da Lei 9.099/95 c/c art. 1º da Lei 10.259/01).
3. Havendo recurso tempestivo e acompanhado das custas se devidas, recebo-o, desde já, no efeito devolutivo, intimando-se a outra parte para contra-razões, no prazo de 10 (dez) dias. Após, remetam-se à Turma Recursal.
4. Após o transcurso do prazo previsto para interposição de recurso voluntário (CPC, art. 188), arquivem-se.
5. Publique-se. Registre-se eletronicamente. Intimem-se.

É quase incrível, mas passados mais de 05 (cinco) messes, o processo foi extinto, determinando o Juiz do Juizado Especial Federal que seja ingressado com demandas individuais, iniciando-se o processo desde seus primórdios.
Ora, sabemos que os exames periciais serão ainda mais demorados se realizados de forma individuais. O posicionamento adotado não beneficia a ninguém – nem partes, nem perito, menos ainda o judiciário.
Os fundamentos, como sempre, são frágeis, reforçando o que dissemos no início, levando a conclusão que este posicionamento, como tantos outros, objetiva tão somente expandir o mapa estatístico, aumentando a produtividade da vara no que diz respeito ao quesito processos baixados, contabilizando pontos ao magistrado por ocasião de aferição dos critérios para promoção.
Evidentemente, isto me passa pela cabeça, inúmeras vezes, porém, a razão me diz que tudo não passa de um mero equivoco – porque, a título de elucidação, juiz não erra – e que não tornara a acontecer.
No entanto, minha experiência atuando dentro do Poder Judiciário, atrás de um balcão de atendimento, me deu a oportunidade de conhecer de forma aprofundada o funcionamento da maquina e, acima de tudo, os “macetes” utilizados em determinadas circunstancias, para maquiar o mapa estatístico, aumentando a produtividade do magistrado além do que realmente produziu e amenizando os “equívocos” deste e dos serventuários.
Gostaria que tais situações fossem atos isolados, porém, me parecem ter se tornado a regra, ao passo que funcionários e Juízes comprometidos com o bom andamento do processo e com a eficiente prestação jurisdicional tornaram-se a exceção.

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